terça-feira, 12 de outubro de 2010

Soneto 38


Com que gana me entrego, com que ânsia,
Jose, à tarefa, ou por outra, ao suplício,
de outro poema preto em verso branco.
Língua vernácula entre os dentes, dor
no cotovelo e tu, merda, na mente,
recursos de estilo a esmo destilo
e figuras de linguagem pra tratar
de teu sorriso eletrônico e teu
cabelo. Com que gana! E que suplício:
não há ponto final, não há remate,
que me livre de vez desses poemas,
e me livre de ti em paralelo.
E eu quero? É Sísifo o meu modelo, merda:
amo o poema assim como ele ama a pedra.


Reinaldo Santos Neves

domingo, 5 de setembro de 2010

Segredos


A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varrece a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 22 de agosto de 2010

Vento


grafar uma música
é como querer
fotografar o vento

a música existe no tempo
a grafia existe no espaço
o vento no vento


Chacal

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ana C


gosto muito de olhar um poema
até não mais divisar o que é
respiração noite vírgula
eu ou você

gosto muito de olhar um poema
até restar apenas
voceu



Chacal

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.



Manuel Bandeira

terça-feira, 27 de julho de 2010

Sem budismo


Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra
bolero, ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, no caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.


Paulo Leminski

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os poemas


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Mario Quintana