sexta-feira, 8 de julho de 2011

Madrigal


A luz do sol bate na lua...
Bate na lua, cai no mar...
Do mar ascende à face tua,
Vem reluzir em teu olhar...

E olhas nos olhos solitários,
Nos olhos que são teus... É assim
Que eu sinto em êxtases lunários
A luz do sol cantar em mim...


Manuel Bandeira

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A bunda, que engraçada


A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda, redunda.



Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Soneto 38


Com que gana me entrego, com que ânsia,
Jose, à tarefa, ou por outra, ao suplício,
de outro poema preto em verso branco.
Língua vernácula entre os dentes, dor
no cotovelo e tu, merda, na mente,
recursos de estilo a esmo destilo
e figuras de linguagem pra tratar
de teu sorriso eletrônico e teu
cabelo. Com que gana! E que suplício:
não há ponto final, não há remate,
que me livre de vez desses poemas,
e me livre de ti em paralelo.
E eu quero? É Sísifo o meu modelo, merda:
amo o poema assim como ele ama a pedra.


Reinaldo Santos Neves

domingo, 5 de setembro de 2010

Segredos


A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
Não ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
Não diga nada.

Tudo é possível, só eu impossível.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
Não conte.

Suponha que um anjo de fogo
varrece a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdão.
Não peça.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 22 de agosto de 2010

Vento


grafar uma música
é como querer
fotografar o vento

a música existe no tempo
a grafia existe no espaço
o vento no vento


Chacal

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ana C


gosto muito de olhar um poema
até não mais divisar o que é
respiração noite vírgula
eu ou você

gosto muito de olhar um poema
até restar apenas
voceu



Chacal

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.



Manuel Bandeira